domingo, 22 de dezembro de 2024

Crônica de Natal

Todas as tardes, enquanto a luz do sol pintava de dourado as paredes descascadas da vila, Seu Aníbal sentava-se na velha poltrona de vime junto à janela. Cego desde a juventude, ele aprendera a enxergar o mundo através das palavras. E foi assim que conheceu o pequeno Mateus, o menino que morava na casa ao lado e que, com sua voz curiosa e cheia de vida, transformava o mundo em poesia.

Mateus tinha o hábito de passar pela janela de Seu Aníbal antes ou depois de suas brincadeiras, descrevendo o que via pela rua. Ele falava das borboletas coloridas que voavam pelos jardins, dos gatos preguiçosos que se esparramavam nas calçadas e das nuvens que pareciam algodão-doce no céu. “Hoje passou um carro vermelho brilhante, parecia uma estrela cadente!”, ele dizia. E Aníbal sorria, pintando em sua mente as imagens vivas que o menino criava.

Era um ritual simples, mas poderoso. As descrições de Mateus faziam com que a rua, antes silenciosa e opaca, ganhasse vida e encantamento. Aníbal, em sua solidão, sentia-se acompanhado, como se o menino trouxesse para ele pedaços de um mundo que não podia mais ver.

Então chegou o Natal, e com ele uma surpresa inesperada. Sua filha, Marina, decidiu voltar para morar com ele após anos distante. Aníbal estava feliz, é claro, mas algo mudou. Mateus não veio mais. Os dias passavam, e o menino que descrevia o mundo com tanto encanto simplesmente desapareceu.

“Marina, você viu o Mateus? Ele mora na casa ao lado e sempre vinha me contar o que estava acontecendo na rua. Deve ter acontecido alguma coisa com ele...”, disse Aníbal, preocupado.

Marina franziu a testa. “Pai, não tem nenhuma casa ao lado. Esse lote está vazio faz anos. E as outras casas da vila também são ocupadas por pessoas idosas, não tem crianças aqui.”

Aníbal ficou em silêncio por um momento. Sua mente, que sempre encontrava conforto nas histórias de Mateus, agora estava confusa. Ele pensou nos momentos em que o menino vinha, nas histórias tão detalhadas que ele contava. Como poderia ser que ele nunca existira?

Naquela noite de Natal, enquanto Marina decorava a árvore com luzes cintilantes, Aníbal sentou-se novamente perto da janela. Ele não sabia ao certo o que pensar, mas uma coisa era clara: Mateus, fosse real ou não, trouxera beleza e esperança para os seus dias. E, de certa forma, isso era tudo o que importava.

“Obrigado, Mateus”, sussurrou Aníbal para a noite estrelada, sentindo o calor das memórias se espalhar pelo coração. Afinal, o Natal é também um tempo de milagres invisíveis, não é?

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