domingo, 29 de janeiro de 2012

As políticas públicas atuais

Sempre imaginamos que uma política educacional pública deve expressar os anseios da  comunidade a que se destinam suas diretrizes e propostas, assim como imaginamos que uma política pública deve estar atenta e oferecer respostas às necessidades geridas e construídas na práxis histórica dos sujeitos que convivem em suas dimensões; no caso, das políticas educacionais, referimo-nos aos educadores/as que militam nas diversas esferas por onde a educação transita.
Imaginamos ainda, que uma política educacional pública, deve buscar coerência epistemológica entre suas propostas de inovações e as legislações decorrentes. Pressupõe-se que deva existir uma coerência entre intencionalidade da legislação e convicções teóricas que sustentam tal legislação. Pressupomos ainda que uma política educacional , num estado de direito democrático, deva buscar canais de diálogo com os que estarão implicados, direta ou indiretamente, com as conseqüentes normatizações de suas legislações. Acreditamos, eu e milhares de educadores,  que as intencionalidades de  uma política, fundamentalmente a educacional,  devem ser explícitas e dialogantes;  devem ser expressas claramente e devem se reger por princípios e valores que fundamentam e sustentam tais intencionalidades. Enfim, imaginamos que políticas devem se pautar  em  pressupostos, e expressar valores que justifiquem as escolhas e procedimentos tomados. Se não forem explícitos, tais pressupostos deixam de ser justificantes e passam a ser oportunistas, pois mudam de valor quando a situação se altera.
Se não vejamos : o que sinalizam as políticas vigentes quando determinam que, os cursos de pedagogia, das instituições superiores não universitárias, não poderão formar o docente? E ainda mais, essa mesma legislação permite que as universidades, ou centros universitários, possam organizar cursos de pedagogia que tenham como finalidade a formação de docentes.
Então eu pergunto : qual é a intencionalidade presente nesta medida legal?  Afinal de contas, considerando o espírito da legislação: o curso de pedagogia deve ser ou não o contexto sustentador da formação de professores?
O fato de a formação de docentes, estar ou não atrelada a um curso de pedagogia, deve expressar uma crença, um valor, o reconhecimento de uma determinada epistemologia da formação. Mais ainda, quando um político, ou um legislador educacional, vai organizar uma legislação para mudar as regras de jogo, no caso me refiro à formação docente, espera-se que esse legislador/político, atue em congruência com uma série de convicções.
Neste caso, o que ele acredita, afinal?
-         que é possível formar docentes no vazio epistemológico e acadêmico?
-         ou ao contrário, que a formação docente deve estar vinculada a uma epistemologia, a uma pedagogia, a um projeto de nação?

São duas posturas, baseadas em pressupostos e valores diferentes, e o mínimo que se espera de quem trabalha e legisla na área de políticas públicas é que as referências conceituais estejam claras. Do contrário não há espaço para diálogo, só para imposição. E a imposição de políticas educacionais é um procedimento altamente anti-educativo.
Anti educativo porque, quando as orientações não são claras,  um mesmo pressuposto justifica situações diferentes : quando convém, vale isto, quando não convém, vale aquilo. Isto é que chamo de postura oportunista, que gera relações esquizofrênicas. Senão vejamos: se acredito que os professores devem receber uma formação técnica, se acredito que, ser professor é uma tarefa pouco complexa; se acredito que os  conhecimentos que sustentam os saberes dos professores não se organizarem a partir de pesquisa, vou acreditar então, que a formação pode ser bem aligeirada, pois apenas devo treinar habilidades, adestrar comportamentos e fazeres, e a questão da formação docente estará resolvida. Desta forma, a legislação, compatível a essas crenças, deve se pautar nos pressupostos da racionalidade técnica, pode até considerar a desnecessidade da pedagogia e da pesquisa e então se entende, neste contexto, a criação de figuras institucionais esdrúxulas, como os Institutos Superiores de Educação, ou mesmo se pode compreender       ( apesar de se discordar) que tais legisladores possam diminuir a integralização de tais cursos para 2800 horas, de forma paradoxal ao discurso que enaltece a necessidade de uma ótima formação docente.
Vejam que o confronto fundamental é a incoerência entre o discurso, a legislação e a prática.
Se acredito o contrário, ou seja, que formar professores é uma tarefa muito complexa, que requer uma formação aprofundada tendo como base os estudos pedagógicos, isto implicará num trabalho rigoroso e coletivo, que emergirá da articulação de ensino e pesquisa, de forma atávica, fundamental, rigorosa, o que dará novos contornos ao tratamento da questão teoria e prática, pelo realce que se fará na epistemologia da práxis, como elemento fundamental na construção de saberes da prática, num processo contínuo de auto-formação docente.
Neste segundo caso, essa formação, exigirá para sua consecução, um ambiente que priorize a pesquisa, a interlocução com diferentes áreas do saber, e assim uma proposta de formação que se faça em sintonia com tais convicções, deve pressupor uma contexto pedagógico fundamentador e organizador da teoria e da práxis formativa.
Não dá para acreditar numa política educacional que, a partir de sofisticados discursos sobre a formação docente, recomende, pelo menos duas posições divergentes :
- ou seja, se a formação ocorrer em faculdades particulares, não será preciso, e mais que isto, é proibido, que o curso de pedagogia, seja o contexto e contorno epistemológico de tal formação;
-                     agora se o curso ocorrer em universidade, aí então, o contexto articulador da formação docente pode ser o curso de pedagogia.
Indignada, como toda educadora, com fortes compromissos com a formação docente, pergunto: em que acreditam tais legisladores? Como realmente pensam a formação docente? O que e como pretendem realmente formar? Como podem legislar sobre uma área, de fundamental importância à nação, no caso, a formação de docentes, de forma tão dúbia, estratégica, oportunista?
O que questiono é tanto o conteúdo epistemológico pouco explícito e incoerente no referente ao campo conceitual da pedagogia, como também a forma que vêm sendo conduzidas tais políticas, de modo autoritário, não atendendo às expectativas e anseios da comunidade a ela pertinente, interrompendo um saudável caminhar de discussão da identidade do pedagogo e também interrompendo o exercício de autonomia que estava sendo exercido por muitas instituições, na busca de caminhos alternativos e inovadores ao curso em questão. 
A nova LDB de 1996, ao introduzir  no artigo 62 a figura dos institutos superiores de educação, para responder, juntamente com as universidades pela formação dos professores para atuar na educação básica; bem como o artigo 63 que, em seu inciso I , institui o curso normal superior para formar docentes para a educação infantil e séries iniciais do E.F. e por fim o artigo 64 que, ao fixar duas instâncias alternativas à formação de profissionais de educação (para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional) quais sejam, os cursos de graduação em pedagogia, ou então os cursos de pós graduação, escancara uma forma de intromissão indesejada aos caminhos que os educadores vinham trilhando e deixa transparecer  mais uma tentativa ou armadilha para a extinção gradativa dos cursos de Pedagogia, ou mesmo mais uma armadilha para demonstrar a desnecessidade de tal curso.
Vejam o grande paradoxo instalado : por um lado há todo um consenso social de que a educação é a prática social que pode conduzir a sociedade a melhores rumos, há um consenso de que só a educação salva. No entanto há, por outro lado, toda uma estratégia montada, pronta para ser executada, visando à extinção dos referidos cursos.
Instalados os tais institutos, a custo baixo, sem necessidade de pesquisa, nem de doutores e titulados em seu corpo docente, um prato aberto à expectativa de cursos de baixo custo e grande lucro às faculdades particulares, quem organizará os cursos de Pedagogia? Apenas as universidades, que não correspondem nem a 30% das instâncias formativas. Há que se pensar, a quem interessa a extinção de tais cursos? Por que uma interferência tão imposta? A quem interessa e satisfaz essa legislação? Qual é sua intencionalidade?

As políticas públicas atuais

Sempre imaginamos que uma política educacional pública deve expressar os anseios da  comunidade a que se destinam suas diretrizes e propostas, assim como imaginamos que uma política pública deve estar atenta e oferecer respostas às necessidades geridas e construídas na práxis histórica dos sujeitos que convivem em suas dimensões; no caso, das políticas educacionais, referimo-nos aos educadores/as que militam nas diversas esferas por onde a educação transita.
Imaginamos ainda, que uma política educacional pública, deve buscar coerência epistemológica entre suas propostas de inovações e as legislações decorrentes. Pressupõe-se que deva existir uma coerência entre intencionalidade da legislação e convicções teóricas que sustentam tal legislação. Pressupomos ainda que uma política educacional , num estado de direito democrático, deva buscar canais de diálogo com os que estarão implicados, direta ou indiretamente, com as conseqüentes normatizações de suas legislações. Acreditamos, eu e milhares de educadores,  que as intencionalidades de  uma política, fundamentalmente a educacional,  devem ser explícitas e dialogantes;  devem ser expressas claramente e devem se reger por princípios e valores que fundamentam e sustentam tais intencionalidades. Enfim, imaginamos que políticas devem se pautar  em  pressupostos, e expressar valores que justifiquem as escolhas e procedimentos tomados. Se não forem explícitos, tais pressupostos deixam de ser justificantes e passam a ser oportunistas, pois mudam de valor quando a situação se altera.
Se não vejamos : o que sinalizam as políticas vigentes quando determinam que, os cursos de pedagogia, das instituições superiores não universitárias, não poderão formar o docente? E ainda mais, essa mesma legislação permite que as universidades, ou centros universitários, possam organizar cursos de pedagogia que tenham como finalidade a formação de docentes.
Então eu pergunto : qual é a intencionalidade presente nesta medida legal?  Afinal de contas, considerando o espírito da legislação: o curso de pedagogia deve ser ou não o contexto sustentador da formação de professores?
O fato de a formação de docentes, estar ou não atrelada a um curso de pedagogia, deve expressar uma crença, um valor, o reconhecimento de uma determinada epistemologia da formação. Mais ainda, quando um político, ou um legislador educacional, vai organizar uma legislação para mudar as regras de jogo, no caso me refiro à formação docente, espera-se que esse legislador/político, atue em congruência com uma série de convicções.
Neste caso, o que ele acredita, afinal?
-         que é possível formar docentes no vazio epistemológico e acadêmico?
-         ou ao contrário, que a formação docente deve estar vinculada a uma epistemologia, a uma pedagogia, a um projeto de nação?

São duas posturas, baseadas em pressupostos e valores diferentes, e o mínimo que se espera de quem trabalha e legisla na área de políticas públicas é que as referências conceituais estejam claras. Do contrário não há espaço para diálogo, só para imposição. E a imposição de políticas educacionais é um procedimento altamente anti-educativo.
Anti educativo porque, quando as orientações não são claras,  um mesmo pressuposto justifica situações diferentes : quando convém, vale isto, quando não convém, vale aquilo. Isto é que chamo de postura oportunista, que gera relações esquizofrênicas. Senão vejamos: se acredito que os professores devem receber uma formação técnica, se acredito que, ser professor é uma tarefa pouco complexa; se acredito que os  conhecimentos que sustentam os saberes dos professores não se organizarem a partir de pesquisa, vou acreditar então, que a formação pode ser bem aligeirada, pois apenas devo treinar habilidades, adestrar comportamentos e fazeres, e a questão da formação docente estará resolvida. Desta forma, a legislação, compatível a essas crenças, deve se pautar nos pressupostos da racionalidade técnica, pode até considerar a desnecessidade da pedagogia e da pesquisa e então se entende, neste contexto, a criação de figuras institucionais esdrúxulas, como os Institutos Superiores de Educação, ou mesmo se pode compreender       ( apesar de se discordar) que tais legisladores possam diminuir a integralização de tais cursos para 2800 horas, de forma paradoxal ao discurso que enaltece a necessidade de uma ótima formação docente.
Vejam que o confronto fundamental é a incoerência entre o discurso, a legislação e a prática.
Se acredito o contrário, ou seja, que formar professores é uma tarefa muito complexa, que requer uma formação aprofundada tendo como base os estudos pedagógicos, isto implicará num trabalho rigoroso e coletivo, que emergirá da articulação de ensino e pesquisa, de forma atávica, fundamental, rigorosa, o que dará novos contornos ao tratamento da questão teoria e prática, pelo realce que se fará na epistemologia da práxis, como elemento fundamental na construção de saberes da prática, num processo contínuo de auto-formação docente.
Neste segundo caso, essa formação, exigirá para sua consecução, um ambiente que priorize a pesquisa, a interlocução com diferentes áreas do saber, e assim uma proposta de formação que se faça em sintonia com tais convicções, deve pressupor uma contexto pedagógico fundamentador e organizador da teoria e da práxis formativa.
Não dá para acreditar numa política educacional que, a partir de sofisticados discursos sobre a formação docente, recomende, pelo menos duas posições divergentes :
- ou seja, se a formação ocorrer em faculdades particulares, não será preciso, e mais que isto, é proibido, que o curso de pedagogia, seja o contexto e contorno epistemológico de tal formação;
-                     agora se o curso ocorrer em universidade, aí então, o contexto articulador da formação docente pode ser o curso de pedagogia.
Indignada, como toda educadora, com fortes compromissos com a formação docente, pergunto: em que acreditam tais legisladores? Como realmente pensam a formação docente? O que e como pretendem realmente formar? Como podem legislar sobre uma área, de fundamental importância à nação, no caso, a formação de docentes, de forma tão dúbia, estratégica, oportunista?
O que questiono é tanto o conteúdo epistemológico pouco explícito e incoerente no referente ao campo conceitual da pedagogia, como também a forma que vêm sendo conduzidas tais políticas, de modo autoritário, não atendendo às expectativas e anseios da comunidade a ela pertinente, interrompendo um saudável caminhar de discussão da identidade do pedagogo e também interrompendo o exercício de autonomia que estava sendo exercido por muitas instituições, na busca de caminhos alternativos e inovadores ao curso em questão. 
A nova LDB de 1996, ao introduzir  no artigo 62 a figura dos institutos superiores de educação, para responder, juntamente com as universidades pela formação dos professores para atuar na educação básica; bem como o artigo 63 que, em seu inciso I , institui o curso normal superior para formar docentes para a educação infantil e séries iniciais do E.F. e por fim o artigo 64 que, ao fixar duas instâncias alternativas à formação de profissionais de educação (para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional) quais sejam, os cursos de graduação em pedagogia, ou então os cursos de pós graduação, escancara uma forma de intromissão indesejada aos caminhos que os educadores vinham trilhando e deixa transparecer  mais uma tentativa ou armadilha para a extinção gradativa dos cursos de Pedagogia, ou mesmo mais uma armadilha para demonstrar a desnecessidade de tal curso.
Vejam o grande paradoxo instalado : por um lado há todo um consenso social de que a educação é a prática social que pode conduzir a sociedade a melhores rumos, há um consenso de que só a educação salva. No entanto há, por outro lado, toda uma estratégia montada, pronta para ser executada, visando à extinção dos referidos cursos.
Instalados os tais institutos, a custo baixo, sem necessidade de pesquisa, nem de doutores e titulados em seu corpo docente, um prato aberto à expectativa de cursos de baixo custo e grande lucro às faculdades particulares, quem organizará os cursos de Pedagogia? Apenas as universidades, que não correspondem nem a 30% das instâncias formativas. Há que se pensar, a quem interessa a extinção de tais cursos? Por que uma interferência tão imposta? A quem interessa e satisfaz essa legislação? Qual é sua intencionalidade?

sábado, 21 de janeiro de 2012

ALUNOS E ESCOLAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS NO SÉCULO XXI

Prof. Dr. Marcos José da Silveira Mazzotta
Uma discussão sobre o tema em epígrafe, poderá sugerir a presença de um tom meramente provocativo, atrativo, dubitativo, imperativo, ou todos eles. Poderá suscitar tantas outras interpretações, por se tratar da tentativa de se discutir condições a serem exploradas e exaltadas como NECESSIDADES; mais ainda quando tratadas como ESPECIAIS. Além disso, estaremos expressando aqui, mais opiniões que constatações.
São, portanto, muito diversas as possibilidades de enfoque e discussão. Neste texto tentaremos a exposição de algumas verdades e, evidentemente, não da verdade sobre necessidades de alunos e escolas para o século vinte e um.
Mesmo porque, é bom lembrar, a principal característica do ser humano é a pluralidade e não a igualdade ou a uniformidade. Cada um conhece e interpreta o mundo com olhares muito particulares. Por outro lado, falar de século XXI, quando estamos despertando para ele, é tarefa bastante temerária e incerta que pode até se configurar como meramente futurista .
Lembro aqui certa afirmação de Max Weber , em célebre conferência na universidade de Mônaco, quando lhe pediam insistentemente um parecer sobre o futuro da Alemanha: "A cátedra não existe nem para os demagogos nem para os profetas". Esta colocação nos é relatada por Norberto Bobbio, que prossegue dizendo: "A dificuldade de conhecer o futuro depende também do fato de que cada um de nós projeta no futuro as próprias aspirações e inquietações, enquanto a história prossegue o seu curso indiferente às nossas preocupações, um curso aliás formado por milhões e milhões de pequenos, minúsculos, atos humanos que nenhuma mente, mesmo a mais potente, jamais esteve em condições de apreender numa visão de conjunto que não tenha sido excessivamente esquemática e portanto pouco convincente". (Bobbio, 1986, p.18).
Por certo, no trato da temática que hoje nos propomos abordar, reiteraremos algumas das verdades que vimos esposando, construindo e defendendo.
Na discussão de temas sociais e políticos, em particular a educação escolar, podem existir dificuldades de sistematização e exposição decorrentes da própria complexidade da linguagem empregada, configurando-se um erro de expressão e, em conseqüência, de entendimento. Esse é, também, um risco que aqui corremos. O risco que não corremos é o da dissimulação das verdades defendidas.
Sabemos que verdades podem ser, em muitos casos, apresentadas como tal em resultado da estratégia de manipulação da informação e do conhecimento, acabando por se transformar em mentiras . Via de regra isso ocorre quando se tem em vista a conquista ou manutenção do poder no espaço público, entendido aqui como espaço comum a todos.
Porque iniciar essa exposição com tais considerações? Talvez seja pela persistente crença que temos no papel social dos educadores e , ao mesmo tempo, estejamos assistindo a numerosas situações em que a estratégia da manipulação da informação e do conhecimento seja a predominante nas relações sociais.
No campo da educação escolar, comum/especial/inclusiva, esse recurso tem sido registrado com muita freqüência em manifestações de "educadores em geral" e de "educadores profissionais".
Em vista disso, como já nos ensinaram muitos filósofos e educadores, é preciso que estejamos alertas ao fato de que as verdades podem ser distorcidas não por erro de entendimento ou constatação, mas, por sua manipulação intencional ou "mentira". Nesse sentido, é oportuno lembrar que "essa mentira que supõe o conhecimento da verdade, tem por contrário a veracidade, ao passo que a verdade tem por contrário o erro. Os dois conjuntos de contrários – mentira/veracidade, erro/verdade – parecem então não terem relação", como esclarece Ricouer (1968, p.192).
No mundo contemporâneo, defrontamo-nos com uma grande diversidade de meios e recursos para a manipulação da opinião individual ou de grupos, seja pelas "novas técnicas de comunicação somadas à incorporação das massas nos sistemas políticos", seja pelo registro da história com deliberada exclusão dos fatos , ou, ainda, por tantas razões de outras ordens. Haja vista a perversa padronização, de crenças e comportamentos, acelerada e exacerbada pela globalização.
De que verdade, então, estaremos tratando? Procuraremos refletir e discutir, sobre Alunos e Escolas com Necessidades Especiais no Século XXI, pelo caminho da problematização e não por aquele já sabido ou rigidamente traçado pela experiência passada, embora incorporando-a em nossa análise.
Vamos expor algumas de nossas crenças com o intuito de reiterar convicções, colocar dúvidas, buscar caminhos, aproveitando essa oportunidade de convívio, ainda que breve, com educadores e educandos, enfim, com cidadãos que estão empenhados e querem a melhoria da qualidade de nossa educação escolar e de nossas vidas.
Nessa análise prospectiva, precisamos saber que o querer tem como objeto projetos, pois a vontade transforma o desejo numa intenção, que decide o que vai ser,(...) o querer nos leva para o futuro com todas as suas incertezas, geradoras das expectativas do medo e esperança.(...), portanto, a vontade é uma faculdade voltada para o futuro, e o futuro, por maior que seja a sua probabilidade, é sempre incerto.(Lafer,1979, p.102).
Um ponto que nos parece relevante trazer para nossas reflexões é que alunos e escolas são assim identificados por seus papéis sociais e não, propriamente, por sua configuração individual separada ou isolada de uma contextualização social e cultural. Enquanto papéis sociais e atores culturais, em suas relações recíprocas surgem necessidades e respostas condicionadas pelo contorno dinâmico e atuante de seu meio ambiente. Esta faceta, que parece óbvia, tem sido reiteradamente ignorada nas discussões e encaminhamentos desse tema, particularmente no que se refere a educandos portadores de deficiências e que apresentem necessidades especiais.
Alunos e escolas são adjetivados de comuns ou especiais e em referência a uns e outras são definidas necessidades comuns ou especiais a partir de critérios arbitrariamente construídos por abstração, atendendo, muitas vezes, a deleites pessoais de "experts" ou até mesmo de espertos. Alertemo-nos, também, para os grandes equívocos que cometemos quando generalizamos nosso entendimento sobre uma situação particular.
Hoje, e provavelmente ainda por muitos anos do Século XXI, as expressões Alunos Especiais e Escolas Especiais são empregadas com sentido genérico, via de regra, equivocado. Ignora-se, nestes casos, que todo aluno é especial e toda escola é especial em sua singularidade, em sua configuração natural ou física e histórico-social. Por outro lado, apresentam necessidades e respostas comuns e especiais ou diferenciadas na defrontação dessas duas dimensões, no meio físico e social.
Focalizando a educação de alunos com deficiências físicas, sensoriais ou mentais, é importante salientar que, da mesma maneira que os demais alunos em uma determinada realidade escolar, esses educandos apresentarão necessidades educacionais comuns e especiais em relação ao que deles se espera e ao que lhes é oferecido na escola. Portanto, somente nas situações concretas em que se encontram os alunos nas escolas é que poderemos chegar a interpretar as necessidades educacionais escolares como comuns ou especiais.
Classificações apriorísticas de Alunos com necessidades especiais e Escolas com necessidades especiais poderão conduzir a erros ou a "mentiras", no sentido exposto anteriormente. Para demandas educacionais escolares muito diferenciadas das que freqüentemente se apresentam , são esperadas providências, medidas e recursos educacionais escolares diferenciados ou especiais em relação àqueles que se encontram estruturados e preparados para utilização.
É preciso, pois, colocar em evidência a importância de se analisar criteriosamente, em sua totalidade, cada situação de ensino-aprendizagem concreta construida pelos alunos e escolas em sua singularidade na sua realidade imediata, sem que se perca de vista a realidade social em que se encontram. Assim, a despeito de se ter que conhecer as condições gerais ou globais das situações de ensino-aprendizagem sob responsabilidade da instituição escolar, será mediante a análise judiciosa de cada relação aluno-escola, em particular, que poderão ser identificadas aquelas necessidades educacionais comuns e especiais a atender.
Na discussão das necessidades educacionais é fundamental não desconsiderar sua interdependência com as demais necessidades humanas, tais como aquelas apontadas nos clássicos estudos de Maslow, ainda que as mesmas não sejam interpretadas de forma hierarquizada. Assim, necessidades fisiológicas, de segurança, de participação social, de estima ou reconhecimento e as de auto-realização estão intricadas nas necessidades educacionais comuns e especiais cuja satisfação inclui a atuação competente das escolas.
Evidentemente, tais formulações não são tão recentes entre nós e vêm sendo enfatizadas e melhor interpretadas pelos educadores brasileiros a partir da década de setenta. No entanto, cabe assinalar como marco da ampliação do reconhecimento de sua importância, a colocação das necessidades de aprendizagem como tema da Conferência Mundial, realizada em Jomtien, Tailândia, em 1990, da qual resultou a aprovação da Declaração Mundial sobre Educação para Todos e Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem.
Além de reconhecer a educação como direito fundamental de todos, as recomendações internacionais contidas em tais documentos tiveram o mérito de explicitar o sentido das necessidades básicas de aprendizagem. Segundo tal Declaração , essas necessidades compreendem tanto os instrumentos essenciais para a aprendizagem, quanto os conteúdos básicos necessários à sobrevivência e desenvolvimento para participação ativa na vida social. Observa, também, que o dinamismo e a diversidade de tais necessidades para crianças, jovens e adultos exige redefinição e ampliação contínuas da educação básica.
Em consonância com essas premissas, a Lei no. 9394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), dispõe que a educação básica tem por finalidade desenvolver o educando , assegurando-lhe a formação comum indispensável ao exercício da cidadania e meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. Para o nível do ensino fundamental, obrigatório e gratuito nas escolas públicas, define o objetivo de formação básica do cidadão, mediante: desenvolvimento da capacidade de aprendizagem tendo pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; desenvolvimento da capacidade de aprendizagem de conhecimentos, habilidades e formação de atitudes e valores; bem como o fortalecimento dos vínculos de família, de solidariedade humana e tolerância recíproca.
Essas disposições legais e normativas refletem uma concepção democrática da educação escolar que não comporta qualquer tipo de exclusão, de crianças, jovens ou adultos, sob nenhum pretexto. .Acreditamos que ainda por muitos anos nosso sistema escolar dependerá de auxílios e serviços educacionais escolares especiais ou especializados para, de fato, atender com competência alunos que apresentem necessidades educacionais especiais.
Dentro dos propósitos dessa exposição, convém lembrar que no amplo segmento de pessoas surdas ou com deficiência de audição são numerosas aquelas que numa situação escolar não requerem serviços de educação especial, podendo se beneficiar dos serviços escolares comuns. Esta é a opção preferencial, inclusive prevista na Constituição Federal. No entanto, não se pode ignorar que "uma pessoa com lesão no sistema auditivo, poderá ter a sua comunicação comprometida em vários níveis, dependendo do tipo e grau da perda de audição (... ) e que, face aos recursos escolares, muitas vezes se justifica a educação especial para atender as necessidades educacionais especiais decorrentes de limitações no desenvolvimento da linguagem interna, receptiva e expressiva" (Mazzotta, 1981, p. 21).
Para finalizar, é oportuno resgatar do "Relatório Jacques Delors", elaborado sob os auspícios da UNESCO pela Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, que as aprendizagens necessárias a todo ser humano se estendem por toda a vida devendo, porisso, a educação basear-se em quatro pilares: "aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser". Em face disso, embora os sistemas escolares tendam a privilegiar o acesso ao conhecimento, é fundamental que a educação seja concebida como um todo e que nenhuma das potencialidades de cada indivíduo seja negligenciada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOBBIO, Norberto. (1986). O futuro da democracia; uma defesa das regras do jogo. Trad. Marco A . Nogueira. Rio de Janeiro : Paz e Terra.
DELORS, Jacques. ( 1998). Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo (SP) : Cortez ;
Brasília (DF) : MEC:UNESCO.
LAFER, Celso. (1979). Hannah Arendt: pensamento, persuasão e poder. Rio de Janeiro (RJ) : Paz e Terra, p. 103.
MAZZOTTA, Marcos J. S. (Coord.) (1981). A educação do deficiente auditivo : escola- família-comunidade. São Paulo (SP) : SE/CENP, p.21.
RICOEUR, Paul. (1968). História e verdade. Trad. F. A . Ribeiro. São Paulo (SP) : Forense, p.192