domingo, 30 de novembro de 2025

VOCÊ É PARASSOCIAL?

A escolha de “parassocial / parasocial” como Word of the Year pelo Cambridge Dictionary revela muito sobre como a nossa vida emocional e comunicativa vem sendo redesenhada por mídias sociais, celebridades e agentes digitais (chatbots, avatares, etc.). Abaixo segue uma crítica construtiva e comparativa, com referência ao contexto do inglês e ao desenvolvimento da língua portuguesa. (Fonte: O Estado de São Paulo - https://www.estadao.com.br/link/cultura-digital/parassocial-e-eleita-palavra-do-ano-de-2025-pelo-dicionario-de-cambridge-entenda-o-que-significa-nprei/)

1) O que a escolha sinaliza (ponto forte)

A nomeação de parasocial / parassocial chama atenção para um fenômeno real e crescente: muitas pessoas hoje vivem vínculos unilaterais (sentem intimidade, preocupação, lealdade) com figuras que não as conhecem — sejam celebridades, influencers ou mesmo IAs conversacionais. Isso ajuda a colocar o tema no debate público, favorecendo reflexão sobre saúde mental, educação midiática e ética das plataformas. 

2) A relevância para a era da IA

Uma das razões pelas quais o termo se deslocou do jargão acadêmico para o uso cotidiano foi a extensão desse tipo de laço às IA conversacionais: quando um chatbot ou assistente dá atenção consistente, as pessoas podem desenvolver expectativas emocionais que não terão reciprocidade real. A palavra traduz, portanto, uma transformação tecnológica e social que merece ser discutida — incluindo designers de produto, pesquisadores e formadores. 

3) Limites e riscos do termo (crítica)

Apesar disso, há armadilhas ao popularizar parassocial:

  • Jargão vs. compreensão pública — é um termo técnico (origem acadêmica nos anos 1950) e pode soar distante ou “patologizante” se for usado sem contextualização. Em vez de explicar causas (solidão social, desenho algorítmico, economia de atenção), corre-se o risco de reduzir tudo à “culpa” emocional do indivíduo. 

  • Foco no sintoma e não nas estruturas — falar apenas de relações parassociais pode ocultar fatores estruturais (monetização da atenção, design de feed, precarização do trabalho de criadores, políticas de moderação) que produzem e amplificam essas ligações. Uma boa crítica pública precisa unir o conceito psicológico a críticas à arquitetura das plataformas.

  • Ambiguidade moral — nem toda relação parassocial é negativa (muitos fãs obtêm sentido, redes de apoio simbólico etc.). Tornar a palavra sinônimo de “perigo” empobrece a discussão.

4) Comparação com escolhas anteriores do Cambridge e com outros dicionários

Cambridge tem escolhido palavras que mapeiam tendências culturais e tecnológicas recentes — por exemplo “hallucinate” (2023), ligado a erros e “alucinações” em IAs generativas, e “manifest” (2024), atrelado a práticas de mentalização e cultura online. Essas escolhas mostram uma linha: palavras que explicam como tecnologia e cultura digital remodelam comportamento e discurso. Parassocial encaixa-se nessa sequência: é um conceito técnico que virou questão social. 

Juntamente com outras escolhas de 2025 por dicionários internacionais (que apontam, por exemplo, para memes, programação via linguagem natural e debates sobre IA), vemos um quadro plural: diferentes instituições destacam aspectos variados do mesmo fenômeno — interação humana com tecnologia, cultura de fandom e mudanças comunicacionais. Isso foi bem resumido por levantamentos recentes sobre as palavras do ano 2025. 

5) O impacto no português e na formação de neologismos

No português o termo aparece como parassocial (forma já atestada em dicionários portugueses e brasileiros), o que mostra como a língua adapta conceitos emprestados do inglês e do jargão científico. A adoção em português é positiva porque:

  • permite nomear experiências novas com precisão;

  • facilita a inclusão do assunto em materiais escolares, jornalísticos e de saúde.
    Mas exige cuidado: as traduções e adaptações precisam vir acompanhadas de explicações acessíveis — e de material pedagógico que ensine crítica de mídia e alfabetização emocional. Fontes lexicográficas em português já registram o vocábulo, o que facilita seu uso correto. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa+1

6) Recomendações práticas (construtivas)

  1. Contextualizar sempre: jornalistas, professores e agentes da saúde mental devem apresentar parassocial com exemplos e distinções (quando é fonte de risco e quando é suporte simbólico).

  2. Unir conceito a políticas: o termo deve alimentar debates sobre design responsável de plataformas (transparência, limites à criação de laços comerciais por IAs, segurança de menores).

  3. Educação e alfabetização midiática: incorporar o tema em aulas e campanhas — explicar como algoritmos, consistência de posts e narrativa construída incentivam laços unilaterais.

  4. Linguagem sensível: evitar patologizar fãs ou usuários; reforçar que relações parassociais podem ser comuns e, por vezes, positivas, mas exigem limites e consciência.

7) Conclusão sintética

A escolha de parassocial como palavra do ano é esclarecedora: sinaliza que as fronteiras entre público e privado, humano e digital, se tornaram emocionalmente porosas. É um convite útil para pensar criticamente — mas só cumpre todo o seu papel se for usado com precisão, empatia e ligado a medidas educativas e regulatórias que enfrentem as causas estruturais da economia da atenção.

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