sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Uma Nova China, Como Nunca na História do País


Governos forjam imagens e se vendem como marcas (sou meio colonizado, prefiro a expressãobranding). O governo Lula, com sua pretensão de se alongar como um regime, investe  nobranding do nunca-na-história-deste-país. como se fosse um marco zero da dita cuja. O regime comunista chinês (é mais do que um mero governo) sobrevive em uma civilização antiga e tem referenciais históricos, digamos, mais sofisticados do que do presidente brasileiro.
Para sua sobrevida, o regime aprontou um rebranding. O projeto é forjar uma imagem da China que combina tradições confuncianas de estabilidade social com a modernidade econômica, num coquetel vitaminado pelo nacionalismo, que hoje tem muito mais apelo do que o comunismo. Slogans ilustrativos deste rebranding são capitalismo autoritário e leninismo de mercado. A idéia é prosperidade e longa vida sob o tacão do partidão.
O vigor econômico chinês durante a crise financeira global injetou mais moral neste projeto e, por extensão, comprovaria a superioridade dos valores chineses de harmonia social sobre os valores ocidentais de direitos individuais e conceitos alienígenas de democracia clássica. Em termos mais funcionais, o regime argumenta que uma sociedade estável (sem os ruídos, os solavancos e as contradições da democracia) são imprescindíveis para conseguir crescimento econômico e desenvolvimento em uma sociedade tão populosa e ainda pobre. E a Ïndia, camaradas?
Mas a estóica eloquência de dissidentes como Liu Xiaobo, culminando na sua premiação com o Nobel da Paz de 2010, expõe a fraqueza do rebranding chinês, com sua cobrança calma e convicta por direitos individuais e democracia. Não é à toa que o regime de um país com 1.4 bilhão de habitantes, US$ 2 trilhões de reservas e segunda economia mundial está reagindo com fúria, truculência e paranóia à força moral de um indivíduo. Na sua mistura de arrogância e insegurança, a China se sente cercada, atacada e minada pelo mundo. Quem são estes impertinentes noruegueses para premiar o criminoso Liu Xiaobo, que cumpre pena de 11 anos de prisão por subversão?
A China tem raiva dos premiadores e medo do seu próprio povo. E tem motivos para estes sentimentos. Países civilizados tratam a China com admiração por seu sucesso econômico e desprezo por seu atraso político (fazem negócios, de qualquer forma). Premiar um dissidente como Liu Xiaobo, que tem a força moral de um Andrei Sakharov, é transmitir a mensagem de que nem tudo funciona na China, que o país tem muito das sociedades comunistas que ruíram com a queda do muro de Berlim.
Isto deixa as autoridades mais apopléticas do que nunca. Afinal um dos motivos do rebranding  foi evitar o destino soviético. Liu Xiaobo foi premiado com o Nobel enquanto é um prisioneiro, como a heróica Aung San Suu Kyi. A China tem muito de Mianmar, apesar de todo esforço  de modernização.
Claro que a nova China é melhor do que a velha China maoísta das fantasias econômicas, das arruaças da revolução cultural e da mais crua e cruel repressão. Hoje a opressão é mais sutil e seletiva. Não há margem de manobra para um Liu Xiaobo, mas existe espaço para quem não questiona a supremacia do Partido Comunista. Na frase atribuída a Deng Xiaoping, mentor dorebranding, “enriquecer é glorioso”, com a ressalva que prevaleça a pobreza política.
Agora, vamos falar do medo do povo. Antes de mais nada, saudações para a China que removeu mais de 500 milhões de pessoas da pobreza extrema em uma geração. Kerry Brown, da Chatam House, em Londres, tem algumas observações interessantes. A China precisa ter medo do povo, pois é vítima do seu próprio sucesso. Algo bem diferente dos delírios maoístas de 1958 quando ogrande timoneiro profetizou que a economia do seu país seria maior do que a da Grã-Bretanha em 15 anos.
O  Grande Salto para Frente  terminou na pior fome da história, com pelo menos 30 milhões de mortos. Desta vez, a China avançou com mais rapidez que imaginara. Em 2010, está uma década adiante do que projetara em 1999. O desafio é se o Partido Comunista terá o fôlego de duas ou três décadas de reformas econômicas antes de implementar reformas políticas.
Quem sabe a massa chinesa não tenha as aspirações de um Liu Xiaobo e hoje em dia, com este crescimento econômico e o orgulho nacionalista, o Partido Comunista até ganhasse eleições livres, mas a sociedade é mais complexa e quer (e luta) por mais direitos. Existem protestos por direitos de propriedade, greves trabalhistas, mobilização contra a corrupção endêmica, indignação com as desigualdades sociais e a busca de informação livre na Internet. Apesar desterebranding de harmonia social e repressão, há um alto nível de descontentamento popular.
No começo do ano, um influente economista chinês chamado Yao Yang escreveu na publicação americana Foreign Affairs sobre as vulnerabilidades do modelo chinês, tanto em termos econômicos, como políticos (O Fim do Consenso de Pequim). Ele questionou a própria viabilidade do modelo e como será possível a economia prosperar sem que o governo permita mais abertura politica para “equilibrar as demandas dos diferentes grupos sociais”. Claro que o regime comunista chinês quer escapar do destino de podres ditaduras e a farra do crescimento exuberante pode durar mais alguns anos. O regime está mais à vontade com a fórmula de um capitalismo eficiente e autoritário de Cingapura do que de uma Coréia do Sul, que nos anos 80 adotou um caminho democrático.
O Nobel Liu Xiaobo também prega uma saída democrática, enfatizando a necessidade de compromissos entre o regime e a sociedade em uma transição. Que a China tenha um novorebranding, como nunca na história do país.

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