domingo, 18 de fevereiro de 2018

COMO NASCEM OS PRECONCEITOS DE NOSSOS FILHOS

Navegando em pensamentos tortos, refletindo sobre o fazer nosso de cada dia e procurando algo que preenchesse o vazio de minha mente (sempre vazia e impreenchível), deparei-me com a leitura do texto da jornalista Érica Fraga, publicado no site do jornal folha de São Paulo. Tem ali um pouco daquilo que acontece com todos nós constantemente. Aproveitem.

"Na contagem regressiva para o início da vida escolar do meu caçula, me dei conta de que não havia sobrado nenhuma mochila inteira dos irmãos maiores que ele pudesse herdar. Saímos então nós dois com a missão de escolher uma nova.
Entramos na loja, expliquei para a vendedora o que buscava: um modelo de rodinhas que não custasse uma pequena fortuna. Ela nos apontou a área da loja onde estavam possíveis opções.
Transcorrido um minuto, meu pequeno já estava agarrado a duas mochilas, ambas com o tema do desenho "Patrulha Canina". Uma delas era rosa, com o rostinho da personagem Skye, uma poodle, e a outra vermelha com a carinha do Marshall, um dálmata.
Imediatamente, a vendedora falou: "Fique com essa [apontando a vermelha], meu amor. A rosa é de menina".
Se alguém tivesse me perguntado um dia antes como eu reagiria a uma situação dessas, responderia que teria orientado meu pequeno a escolher uma das duas, mas a que ele quisesse.
Na prática, o que ocorreu foi bem diferente. Em poucos segundos, algum canto do meu cérebro processou, não sei exatamente em que ordem, as seguintes informações: a rosa era uns 20% mais cara do que a vermelha, e o risco de que, em pouco tempo, meu filho passasse a rechaçar a Skye não era desprezível. A regra aqui em casa é que as mochilas durem alguns anos.
Com delicadeza, falei: "Filho, que tal levarmos essa aqui?", indicando a vermelha.
No caixa, ele parecia feliz enquanto meu rosto corava. Sentia como se eu tivesse fraquejado diante de uma situação para a qual me preparava havia anos.
Onde tinha ido parar a mãe que sempre tenta explicar para os filhos que rótulos não provam nada; que cores e roupas refletem escolhas pessoais que devem ser respeitadas e não definem o caráter de ninguém?
Comecei a me lembrar das vezes em que me frustrei com os estereótipos que insistiam em invadir minha casa, como no dia em que um dos meninos nos avisou que sairia do circo porque alguns colegas diziam que aquilo era coisa de menina.
Minha tendência sempre foi culpar o mundo do lado de fora da minha porta por essas intromissões na criação dos meus filhos.
No dia da compra da mochila, percebi meu equívoco. A distância entre o discurso que adotamos e a nossa prática no dia a dia pode ser extensa; e as crianças são dotadas de esperteza mais do que suficiente para perceber cada nuance das nossas incoerências.
É assim que se perpetuam o que os especialistas chamam de vieses inconscientes, aquelas crenças que podemos até tentar combater, mas estão entranhadas de alguma forma na gente.
Poucos dias depois do episódio da mochila, estava desenhando com meu caçula enquanto os irmãos faziam natação. Uma menininha interessada na nossa atividade se aproximou e ele se ofereceu prontamente para dividir seus lápis, estendendo para ela o de cor rosa.
Ele entendeu tudo, pensei com melancolia."

Retirado de: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ericafraga/2018/01/1954627-como-nascem-os-preconceitos-de-nossos-filhos.shtml

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