domingo, 29 de janeiro de 2012

As políticas públicas atuais

Sempre imaginamos que uma política educacional pública deve expressar os anseios da  comunidade a que se destinam suas diretrizes e propostas, assim como imaginamos que uma política pública deve estar atenta e oferecer respostas às necessidades geridas e construídas na práxis histórica dos sujeitos que convivem em suas dimensões; no caso, das políticas educacionais, referimo-nos aos educadores/as que militam nas diversas esferas por onde a educação transita.
Imaginamos ainda, que uma política educacional pública, deve buscar coerência epistemológica entre suas propostas de inovações e as legislações decorrentes. Pressupõe-se que deva existir uma coerência entre intencionalidade da legislação e convicções teóricas que sustentam tal legislação. Pressupomos ainda que uma política educacional , num estado de direito democrático, deva buscar canais de diálogo com os que estarão implicados, direta ou indiretamente, com as conseqüentes normatizações de suas legislações. Acreditamos, eu e milhares de educadores,  que as intencionalidades de  uma política, fundamentalmente a educacional,  devem ser explícitas e dialogantes;  devem ser expressas claramente e devem se reger por princípios e valores que fundamentam e sustentam tais intencionalidades. Enfim, imaginamos que políticas devem se pautar  em  pressupostos, e expressar valores que justifiquem as escolhas e procedimentos tomados. Se não forem explícitos, tais pressupostos deixam de ser justificantes e passam a ser oportunistas, pois mudam de valor quando a situação se altera.
Se não vejamos : o que sinalizam as políticas vigentes quando determinam que, os cursos de pedagogia, das instituições superiores não universitárias, não poderão formar o docente? E ainda mais, essa mesma legislação permite que as universidades, ou centros universitários, possam organizar cursos de pedagogia que tenham como finalidade a formação de docentes.
Então eu pergunto : qual é a intencionalidade presente nesta medida legal?  Afinal de contas, considerando o espírito da legislação: o curso de pedagogia deve ser ou não o contexto sustentador da formação de professores?
O fato de a formação de docentes, estar ou não atrelada a um curso de pedagogia, deve expressar uma crença, um valor, o reconhecimento de uma determinada epistemologia da formação. Mais ainda, quando um político, ou um legislador educacional, vai organizar uma legislação para mudar as regras de jogo, no caso me refiro à formação docente, espera-se que esse legislador/político, atue em congruência com uma série de convicções.
Neste caso, o que ele acredita, afinal?
-         que é possível formar docentes no vazio epistemológico e acadêmico?
-         ou ao contrário, que a formação docente deve estar vinculada a uma epistemologia, a uma pedagogia, a um projeto de nação?

São duas posturas, baseadas em pressupostos e valores diferentes, e o mínimo que se espera de quem trabalha e legisla na área de políticas públicas é que as referências conceituais estejam claras. Do contrário não há espaço para diálogo, só para imposição. E a imposição de políticas educacionais é um procedimento altamente anti-educativo.
Anti educativo porque, quando as orientações não são claras,  um mesmo pressuposto justifica situações diferentes : quando convém, vale isto, quando não convém, vale aquilo. Isto é que chamo de postura oportunista, que gera relações esquizofrênicas. Senão vejamos: se acredito que os professores devem receber uma formação técnica, se acredito que, ser professor é uma tarefa pouco complexa; se acredito que os  conhecimentos que sustentam os saberes dos professores não se organizarem a partir de pesquisa, vou acreditar então, que a formação pode ser bem aligeirada, pois apenas devo treinar habilidades, adestrar comportamentos e fazeres, e a questão da formação docente estará resolvida. Desta forma, a legislação, compatível a essas crenças, deve se pautar nos pressupostos da racionalidade técnica, pode até considerar a desnecessidade da pedagogia e da pesquisa e então se entende, neste contexto, a criação de figuras institucionais esdrúxulas, como os Institutos Superiores de Educação, ou mesmo se pode compreender       ( apesar de se discordar) que tais legisladores possam diminuir a integralização de tais cursos para 2800 horas, de forma paradoxal ao discurso que enaltece a necessidade de uma ótima formação docente.
Vejam que o confronto fundamental é a incoerência entre o discurso, a legislação e a prática.
Se acredito o contrário, ou seja, que formar professores é uma tarefa muito complexa, que requer uma formação aprofundada tendo como base os estudos pedagógicos, isto implicará num trabalho rigoroso e coletivo, que emergirá da articulação de ensino e pesquisa, de forma atávica, fundamental, rigorosa, o que dará novos contornos ao tratamento da questão teoria e prática, pelo realce que se fará na epistemologia da práxis, como elemento fundamental na construção de saberes da prática, num processo contínuo de auto-formação docente.
Neste segundo caso, essa formação, exigirá para sua consecução, um ambiente que priorize a pesquisa, a interlocução com diferentes áreas do saber, e assim uma proposta de formação que se faça em sintonia com tais convicções, deve pressupor uma contexto pedagógico fundamentador e organizador da teoria e da práxis formativa.
Não dá para acreditar numa política educacional que, a partir de sofisticados discursos sobre a formação docente, recomende, pelo menos duas posições divergentes :
- ou seja, se a formação ocorrer em faculdades particulares, não será preciso, e mais que isto, é proibido, que o curso de pedagogia, seja o contexto e contorno epistemológico de tal formação;
-                     agora se o curso ocorrer em universidade, aí então, o contexto articulador da formação docente pode ser o curso de pedagogia.
Indignada, como toda educadora, com fortes compromissos com a formação docente, pergunto: em que acreditam tais legisladores? Como realmente pensam a formação docente? O que e como pretendem realmente formar? Como podem legislar sobre uma área, de fundamental importância à nação, no caso, a formação de docentes, de forma tão dúbia, estratégica, oportunista?
O que questiono é tanto o conteúdo epistemológico pouco explícito e incoerente no referente ao campo conceitual da pedagogia, como também a forma que vêm sendo conduzidas tais políticas, de modo autoritário, não atendendo às expectativas e anseios da comunidade a ela pertinente, interrompendo um saudável caminhar de discussão da identidade do pedagogo e também interrompendo o exercício de autonomia que estava sendo exercido por muitas instituições, na busca de caminhos alternativos e inovadores ao curso em questão. 
A nova LDB de 1996, ao introduzir  no artigo 62 a figura dos institutos superiores de educação, para responder, juntamente com as universidades pela formação dos professores para atuar na educação básica; bem como o artigo 63 que, em seu inciso I , institui o curso normal superior para formar docentes para a educação infantil e séries iniciais do E.F. e por fim o artigo 64 que, ao fixar duas instâncias alternativas à formação de profissionais de educação (para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional) quais sejam, os cursos de graduação em pedagogia, ou então os cursos de pós graduação, escancara uma forma de intromissão indesejada aos caminhos que os educadores vinham trilhando e deixa transparecer  mais uma tentativa ou armadilha para a extinção gradativa dos cursos de Pedagogia, ou mesmo mais uma armadilha para demonstrar a desnecessidade de tal curso.
Vejam o grande paradoxo instalado : por um lado há todo um consenso social de que a educação é a prática social que pode conduzir a sociedade a melhores rumos, há um consenso de que só a educação salva. No entanto há, por outro lado, toda uma estratégia montada, pronta para ser executada, visando à extinção dos referidos cursos.
Instalados os tais institutos, a custo baixo, sem necessidade de pesquisa, nem de doutores e titulados em seu corpo docente, um prato aberto à expectativa de cursos de baixo custo e grande lucro às faculdades particulares, quem organizará os cursos de Pedagogia? Apenas as universidades, que não correspondem nem a 30% das instâncias formativas. Há que se pensar, a quem interessa a extinção de tais cursos? Por que uma interferência tão imposta? A quem interessa e satisfaz essa legislação? Qual é sua intencionalidade?

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