sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A solidão do(a) professor(a) de ensino básico - Por: Rudá Ricci

O mais comentado e-mail entre educadores de Minas Gerais é a carta que a professora Áurea Regina Damasceno enviou à Secretária de Educação de Belo Horizonte. É um depoimento dramático e cru sobre o cotidiano das salas de aula, desde sempre desconsiderado pelos gestores da educação de nosso país.

Os gestores caminham, com raras exceções, na contramão, confrontando a realidade e penalizando professores. A última invenção, totalmente sem sentido, é a introdução da premiação (ou certificação) para professores que possuem turmas com bom desempenho escolar. Somente quem desconhece a realidade educacional do país poderia elaborar algo tão sem sentido.

Mas a carta da professora Áurea fala mais alto. A carta inicia com uma justificativa até certo ponto simplória: “Que me desculpem todos vocês, mas a realidade não pode ser desconsiderada! Não dá mais para entrar no jogo do "ensaio sobre a cegueira"!”. Daí, passa a relatar um cenário de horror que, infelizmente, faz coro com a realidade de tantas outras escolas brasileiras e parece reproduzir o roteiro do filme “Entre Muros da Escola”.

Reproduzo algumas passagens:

“Hoje, dia 19 de março de 2009, vou mais um dia para a escola, desanimada e certa de que as aulas que preparei para os alunos do 3º ciclo, 1º turno, não serão dadas. Mas busco entusiasmo não sei onde, entro para a sala de aula (sala 10, 6ª série) e inicio repetindo o que tenho falado com os alunos desde o primeiro dia de aula: coloquem o caderno, a agenda, o lápis, caneta, borracha, régua, tesoura sobre a mesa e guardem a mochila debaixo da carteira ou dependurada no encosto da cadeira (muitos se deitam, durante a aula, na mochila para dormir ou se escondem atrás dela para dar gritos ensurdecedores sem motivo algum ou para atirar bolinhas de papel enfiadas no corpo das canetas esferográficas).”

“Essa atividade demanda mais ou menos uns 20 min., pois metade da sala não ouve ou finge que não ouve, continua a correr pela sala, está virada para trás conversando, está subindo nas bancadas sobre as janelas e de lá pulando de cadeira em cadeira e outros tantos estão a olhar no vazio, sem nada fazer.”

“Pergunto por que estão sem a agenda e sem as folhas, várias respostas: esqueci, meu irmão rasgou, fiz bolinha de papel, fulano (referindo-se a um colega de sala, ou mesmo de outras salas que durante os intervalos invadem como loucos as salas vizinhas, batem, jogam mochilas pelas janelas, rasgam material, andam sobre as carteiras) pegou, rasgou ou fez bolinha de papel, rasguei porque achei que não iria precisar (ah, seria tão fácil se você os colocasse então em duplas para fazerem a atividade, penso eu). Ah! sim, seria, e a responsabilidade e o compromisso ficariam para ser construídos não se sabe quando."

Rudá Ricci - Sociólogo, doutor em Ciências Sociais, integrante do Fórum Brasil de Orçamento e do Observatório Internacional da Democracia Participativa.

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